Do sarrabulho ao “s” chiado, saiba mais sobre a “Capital do Pantanal” em Mato Grosso do Sul

Por Maressa Mendonça – A 444 km de Campo Grande está Corumbá, cidade que faz jus ao nome de origem tupi-guarani ‘Curupah’, cujo significado é lugar distante. Às margens do Rio Paraguai,ela foi se desenvolvendo com a pecuária, o minério e o turismo, atividades feitas por um povo caloroso, influenciado pela irradiação constante do sol que, também ilumina os paralelepípedos do centro e os prédios históricos do município.

 

Corumbá é conhecida como a “Capital do Pantanal” porque tem 60% do território ocupado por essa planície alagada e, só neste ano, recebeu 115,9 mil turistas. Dentre eles, muitos holandeses, franceses e ingleses interessados na fama do lugar, considerado o quarto melhor destino para apreciação da vida selvagem do mundo.E não são apenas as belezas naturais que atraem, mas todo o conjunto arquitetônico e paisagístico da cidade, tombado como patrimônio histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1993.

 

O INÍCIO 

 

A ocupação da região Corumbá começou no início do século XVI, mais precisamente no ano de 1524, quando os portugueses chegaram ao local na expectativa de encontrar ouro. Essa ocupação influenciou desde a culinária até a fala dos corumbaenses que também foram formados por indígenas e bolivianos, conforme explica o historiador Waldson Luciano Correa Diniz, se referindo as características da cidade já no início do século XIX.”Tinha uma grande população de indígenas guatós nessa região e os próprios índios bolivianos e depois começaram a chegar pecuaristas”, detalhou.


Mas segundo Diniz, o “marco” do desenvolvimento da população ocorreu depois da Guerra do Paraguai, quando foram criados os destacamentos do Exército Brasileiro e da Marinha. “Houve um incremento da população de militares na região”.

 

Durante a guerra, entre 1864 e 1870, Corumbá foi ocupada e destruída pelas tropas de Solano Lopez, mas a partir de 1870 a cidade foi retomada por Antônio Maria Coelho e reconstruída. Essa reedificação teve como característica a homenagem aos “heróis da guerra” por meio da identificação das ruas e praças.”Temos a avenida Porto Carreiro, a Praça da Independência que formam uma espécie de familiaridade dos habitantes da cidade com a toponímia – designação dos lugares pelos seus nomes.

 

A VIZINHANÇA 

 

E pelas principais ruas de Corumbá circulam, ainda hoje, os vizinhos bolivianos, especialmente as mulheres que, com suas roupas coloridas, tentam vender mercadorias nas feiras na cidade, lutando contra as políticas de proteção para os comerciantes nativos.

“Eles (bolivianos) têm uma resistência incrível. Alugam até garagem e começam a vender em pequenas lojinhas. Eles fazem parte do cenário urbano”, declara Diniz.

 

A saltenha, pastel assado recheado de frango desfiado, é uma das heranças que os bolivianos deixaram para os corumbaenses nessa relação de troca cultural.

 

GASTRONOMIA

 

E não foram apenas os moradores do outro lado da fronteira que influenciaram a culinária corumbaense, mas os paraguaios, portugueses, e, claro, os pantaneiros.

Segundo a pesquisadora em gastronomia Lídia Aguilar Leite, os pratos que surgiram na cidade propriamente dita foram o sarrabulho, o pintado à urucum e o sorvete de bocaiúva.

 

“O mestre João recebia turistas e levava para observarem a natureza  no maciço do Urucum, depois preparava o peixe. Já o sarrabulho foi criado por Eleutério Gouveia, um português que trabalhava na construção da estrada que liga o Brasil e a Bolívia. Em Portugal, o prato é feito com miúdo de porco, mas ele resolveu fazer com miúdo de gado e foi o que deu certo. O sorvete foi inventado por uma senhora, a dona Benedita “, detalha a pesquisadora.

 

Da Bolívia, além da saltenha, Corumbá “aderiu” ao picalomacho e ao arroz boliviano que acabou sofrendo adaptações. Do Paraguai, a sopa que leva o mesmo do país, a chipa-guaçu e o bori-bori. Por fim, com os pantaneiros, os corumbaenses aprenderam a fazer o macarrão de comitiva e o quebra-torto, café da manhã reforçado, com direito a arroz carreteiro.

 

SOTAQUE 

 

Outra característica marcante em Corumbá é a fala dos corumbaenses em que o “s” ao final das palavras assemelha-se ao som do “x”. “Esse “s” veio com portugueses durante o movimento de expansão das terras e depois com essa mistura dos corumbaenses com os cariocas por causa da Marinha, acabou intensificando”, explica a professora doutora Rosângela Villa da Silva. Ainda segundo ela,  O “t” e o “r” são pronunciados de forma diferente da dos cariocas. “O ‘r’ não é tão vibrante, mas mão chega a ser retroflexo (pra dentro) como o dos paulistas, é intermediário. O ‘t’ é mais limpo, falado com a ponta da língua encostando nos dentes superiores”.

 

Sobre as expressões que mais chamam atenção na cidade, a professora destaca o “ala, o vôte e o corre duro”. “O vôte é uma exclamação semelhante ao ‘cruz-credo’, o ala também é uma exclamação e serve tanto para o positivo quanto para o negativo e o corre duro significa vai rápido, está ligado a uma ação de emergência, de necessidade, mas que também pode ser prazerosa”.

 

FESTAS

 

E por falar em prazer, a cidade conta com festas tradicionais.O carnaval da cidade é considerado o maior do Estado, atraindo turistas e moradores do interior para a Cidade Branca, outro apelido de Corumbá, devido a cor clara do solo. Nos quatro dias de festa, a avenida General Rondon é ocupada pelas escolas de samba e por blocos.

 

O Festival América do Sul, que já está na 12ª edição, também faz parte do calendário da cidade. Trata-se de um evento que reúne artistas e músicos da cidade, bem como do Paraguai, da Argentina, do Uruguai e da Bolívia.

 

Outra tradição é a Festa de São João que, envolve a descida dos andores do santo pela Ladeira da Cunha e Cruz rumo ao Porto Geral, onde a imagem do santo é banhada nas águas do rio Paraguai.

 

PONTOS TURÍSTICOS

 

A ladeira Cunha e Cruz também é conhecida como ladeira da Candelária, da Saúde e da Capitania. Isso porque fica em frente à Matriz Nossa Senhora da Candelária, abriga um posto de saúde e ao mesmo tempo está próxima da Capitania dos Portos da cidade. É um dos pontos turísticos do município, mas existem muitos outros como a Escadinha da Quinze, construída em 1923 que, com seus 126 degraus liga a parte alta da cidade ao Porto Geral.

O Porto é outro ponto turístico. Ele abriga os casarões construídos no passado e tombados como patrimônio histórico. Tem também o forte Junqueira, construído depois da Guerra do Paraguai e de onde é possível avistar o pantanal.

 

Outro ponto privilegiado para aqueles que querem apreciar a vista da cidade e, claro, o pôr do sol é o Cristo Rei do Pantanal, situado no Morro do Cruzeiro foi confeccionado pela artesã Izulina Xavier – cuja casa também é atração para os turistas.

 

A Artizu fica no centro de Corumbá e expõe os artesanatos da artista. Outras opções para quem gosta de artesanato é a Casa do Artesão, onde funcionava a cadeia pública da cidade até 1970, e a Casa do Massa Barro. Por fim, há também o Museu da História do Pantanal (Muphan), para aqueles que querem conhecer a história da cidade.

 

CURIOSIDADES

 

E a história de Corumbá é repleta de curiosidades, conforme informado pela Prefeitura do município. “A Cidade Branca tem as terras mais baixas do Centro-Oeste, o Pantanal, com pouco mais de 100 metros acima do nível do mar, além das terras mais altas do Centro-Oeste, a Serra do Urucum, onde as altitudes superam os 2 mil metros. Tudo isso em uma distância de poucos quilômetros”.

 

Corumbá já serviu de refúgio para Ernesto Che Guevara e de prisão para o ex-presidente Jânio Quadros, no ano de 1968. “É o maior município estadual, ocupando quase 20% de todo território de Mato Grosso do Sul e também o embrião do Mercosul, pois foi a primeira cidade da região a manter relações comerciais com países vizinhos, em especial Paraguai e Argentina”. ​

 

Fonte: Correio do Estado